Autor: Nuno Oliveira
Mestre em Arqueologia
Caros internautas, desta feita a história que vos trago prende-se com a descoberta, um tanto surpreendente da nossa Villa Romana de Sendim.
Sim, já todos conhecem. E aqueles que não conhecem devem fazer uma vista. Garanto que valerá o vosso precioso tempo.
Aqui falaremos desta descoberta.
Corria o ano de 1992 em que um senhor queria fazer a sua nova casa, e adquiriu o terreno perto de Igreja de Sendim.
No momento em que começaram a abrir os primeiros níveis do terreno apareceram alguns fragmentos cerâmicos à superfície, sobretudo telha (tegullae romana) e cerâmica comum romana. Quando chegaram a alguma profundidade, eis que começam a aparecer muros.
De referir que isto pode suceder a qualquer um de nós e cabe-nos, a todos, comunicar estas situações às entidades competentes.
Foi o que fez o individuo que queria construir a sua casa – dirigiu-se à Câmara Municipal para dar nota do que se estava a passar no decurso da sua obra.
O arqueólogo e o técnico de arqueologia da Câmara, cientes dos achados até esse momento postos a descoberto decidiram, de imediato, suspender as obras e proceder à realização de escavações, num primeiro momento, mediante duas sondagens. Nestas primeiras sondagens começam já a aparecer os mosaicos com variadas cores. Estas revelaram-se de tal forma importantes que praticamente confirmaram a existência (Ruy de Serpa Pinto já colocara a hipótese nos inícios do séc. XX) de uma vila romana, até porque já nessa fase apareciam materiais à superfície e a existência de um castro próximo poderia indiciar a existência de uma estrutura do género.
Assim, e continuando na senda das escavações, na altura, o Serviço Regional de Arqueologia da Zona Norte, procedeu à abertura de mais sondagens, desta feita aleatoriamente, e em xadrez, para perceber não só a extensão, mas também a realidade arqueológica ali presente.
Com a forte certeza de que se tratava um achado com profundo interesse patrimonial e também científico, a Câmara resolveu (e bem) adquirir o terreno e a partir desse momento ficar encarregada de preservar e desenvolver um projeto de valorização e estudo deste sítio.
Em 1996 a Câmara Municipal candidata-se a fundos nacionais para a “Recuperação de uma unidade agrícola romana: a “Villa de Sendim”. Com o projeto aprovado, as escavações continuaram a partir de 1997. Nesse mesmo ano, o achado é classificado como “Imóvel de Interesse Público”, dada a importância do sítio arqueológico.
Várias candidaturas a fundos nacionais foram necessárias para financiar não só as escavações, mas sobretudo para a preservação das estruturas, condicionamento e tratamento do espólio e construção de um centro interpretativo. Este centro fica integrado no sítio arqueológico, onde desde de 2003 foram integrados estruturas da aldeia de Sendim muito próximas da Vila Romana.
Hoje é também aqui, com muitas obras subsequentes, que funciona o Gabinete de Arqueologia da Câmara.
Assim, após o investimento de décadas, recordo, tudo começou em 1992, e só a partir de 2003 – 2004 foi possível musealizar e, sobretudo, tornar visitável este sítio.
Deste percurso resultaram vários factos essenciais que todos os municípios têm necessidade de compreender:
1.º Um projeto de valorização patrimonial demora anos a desenvolver e nunca num mandato político, ou seja, é necessário um acordo de todas as forças políticas para tornarem projetos de arqueologia ou patrimoniais viáveis e interessantes para usufruto de todos;
2.º Na minha opinião, um gabinete de arqueologia deve ter pelo menos dois arqueológos e alguns técnicos de arqueologia e outros técnicos, não é isso que se passa nos dias em que escrevo estas linhas, não só nesta, como noutras Câmaras pelo país;
3.º Apesar de todo o esforço, que eu reconheço como excelente, um gabinete de arqueologia não pode estar num local como Sendim (nada contra a freguesia/ pessoas que aí vivem) lugar, aliás, com variados pontos arqueológicos importantes. Com efeito, o local onde se encontra a Vila Romana e o Gabinete é um local extremamente frio no inverno e além disso numa área com grandes diferenças de temperatura e humidade fazem com que peças frágeis como metais se vão deteriorando. Com certeza que algumas peças podem e devem ficar em Sendim para fruição de todos, contudo, na minha opinião todo o material em depósito, sobretudo os metais devem transitar para outro local, com condições de preservação e depósito mais apropriado: por exemplo, uma sala no Arquivo Municipal e Biblioteca. Sim, o gabinete deveria passar para um local de trabalho um pouco melhor, é apenas uma opinião. E também as pessoas que aí trabalham merecem melhores condições.
4.º Seria interessante num futuro próximo tentar colocar uma tela ou de outra forma montar uma réplica do fantástico mosaico existente e recuperado em parte, in situ.
Esta Villa é o único sítio arqueológico visitável e musealizado no concelho de Felgueiras. Um projeto valorizado e pensado desde do seu início, que ainda hoje tem estruturas por revelar e continua a ser um sítio de referência para o estudo do povoamento romano e tardo-romano do noroeste português, pela singularidade de algumas das suas estruturas, designadamente, os magníficos mosaicos e materiais aí achados.
Vale a pena uma visita.
No próximo texto abordarei um outro sítio de Felgueiras. Mas essa história cozeu-se por linhas bem mais complicadas. Até lá.