A Covid-19 afetou fortemente a indústria do calçado. São muitas as empresas do setor em layoff; muitas recorreram às linhas de crédito, aumentando o seu endividamento. Os empresários confrontam-se com cancelamentos de encomendas e dilatações nos prazos de pagamento. O futuro é incerto, e a incerteza é uma das principais inimigas dos negócios.
O Felgueiras Magazine entrevistou Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS, que nos falou do atual momento do setor do calçado e perspetivou o seu futuro.
Felgueiras Magazine (FM) – De que forma tem a APICCAPS apoiado os seus associados neste período de pandemia?
Paulo Gonçalves (PG) – A ação da APICCAPS quer na defesa, quer na promoção, dos setores que representa e do universo dos seus associados é permanente e não se esgota neste momento de exceção em que vivemos.
Importa, em todo o caso, realçar que muito do trabalho que desenvolvemos não é visível, pela simples circunstância que ocorre precisamente na privacidade dos gabinetes. Como aliás, tem de ser.
Muitos dos problemas que enfrentamos são comuns a outros setores de atividade e, em particular, ao setor industrial português. Ora, as nossas posições têm estado, sempre, em consonância com a CIP. Como é público, o Presidente da APICCAPS, Luís Onofre, desempenha as funções de Vice-Presidente do Conselho Geral da CIP. Todas as propostas da CIP têm sido defendidas e subscritas pela APICCAPS na defesa das suas empresas. E permitam-me que o diga: a CIP tem estado exemplar ao longo deste processo.
A nível europeu – o Presidente da APICCAPS é igualmente Presidente da Confederação Europeia (CEC). Temos conversado regularmente com os nossos colegas europeus, para que possamos, em conjunto, articular posições comuns em prol da nossa indústria.
São públicas, porque a APICCAPS as partilhou com os seus associados, as propostas que fizemos em conjunto com a ANIVEC, a Associação Portuguesa de Vestuário, ao Governo, ainda em dezembro passado. O lay-off simplificado, as moratórias ou a criação de uma linha de crédito específica para os nossos setores foram algumas dessas propostas. Nas últimas semanas temos estado particularmente ativos, conversando regularmente com a COSEC e com o Governo para encontrar uma boa solução em matéria de seguros de créditos. Acredito que o vamos seguir. Propusemos, igualmente, outras medidas de cariz mais estrutural que, pela sua natureza, demorarão mais algum tempo a serem concretizadas.
No plano mais interno, a APICCAPS criou um Gabinete da Crise, que está em permanente contacto com os seus associados. A título de exemplo, julgo que é justo reconhecer que departamento jurídico da APICCAPS tem estado verdadeiramente incansável no aconselhamento das empresas.
As medidas do Governo são “muito relevantes e vão ao encontro das necessidades empresas”.
(FM) – Os apoios do Governo às empresas para fazer face à pandemia corresponderam às expectativas e necessidades do setor do calçado?
(PG) – O Governo lançou um conjunto de medidas que, analisadas em conjunto, nos parecem muito relevantes e vão ao encontro das necessidades das empresas. Naturalmente, que todos desejamos que tudo fosse mais célere – até porque muitas das medidas necessitam da aprovação de Bruxelas – mas não podemos ignorar a dimensão e a complexidade do momento que vivemos. O Governo português tem estado bem melhor do que a Europa e as suas instituições na resposta a esta pandemia.
(FM) – Há empresários do calçado que se queixam da dilatação dos prazos de pagamento por parte dos seus clientes. É algo que preocupa o setor?
(PG) – Naturalmente. Sabemos que vivemos um momento de exceção das nossas vidas, mas precisamos rapidamente de restabelecer a confiança e promover um regresso à normalidade.
(FM) – Agora que os principais mercados europeus voltaram a abrir a economia, e apesar de toda a incerteza, quais são as expectativas do setor do calçado para os próximos meses?
(PG) – Serão meses duros, seguramente, na medida em que as previsões económicas para este ano são todas profundamente frustrantes.
Os dados que dispomos serão que o consumo mundial este ano deverá recuar mais de 22% (dados do World Footwear). Na Europa, o impacto será ainda maior. O futuro do setor estará sempre associado à duração da pandemia.
Reitero o que disse anteriormente: é essencial incentivar a confiança e reestabelecer a atividade económica.
“As empresas de calçado têm feito um esforço considerável para se reinventarem”
(FM) – Com as medidas de distanciamento social, restrições às viagens, provável cancelamento das feiras de calçado, como é que a APICCAPS está a projetar a promoção da “Indústria mais sexy da Europa”? Vai ter que ser uma indústria ainda mais “sexy”?
(PG) – Estamos a ultimar várias iniciativas. Vamos ter de ser ainda mais criativos. Não iremos seguramente abrandar na promoção das nossas empresas. Quando regressarmos à normalidade, o calçado português vai estar na linha da frente, porque tem empresas capazes, que aliam a tradição e o saber-fazer acumulado ao longo de gerações, a uma capacidade técnica e tecnológica ímpar.
(FM) – Os fundos comunitários deverão ser repensados e reajustados para fazer face à nova realidade trazida pela Covid-19?
(PG) – Julgo que isso já estará a acontecer. Nas conversas que vamos mantendo de forma regular com o Governo, temos insistido nessa tecla.
(FM) – É importante, nesta fase, mais apoios ao investimento na promoção do nosso calçado através de formas digitais? As nossas empresas do setor do calçado estão preparadas para a presença online e marketing digital?
(PG) – As empresas de calçado têm feito um esforço considerável para se reinventarem. A promoção das marcas e do comércio online é uma das áreas que mais têm investido no passado recente. E têm, aliás, contado com o apoio da APICCAPS (projeto “Valorização da Oferta”) através do programa Compete 2020, para isso. Considero, porém, que vamos todos ter de ser capazes de fazer mais e melhor.
(FM) – A indústria do calçado vai ter condições para acomodar aumentos no salário mínimo no próximo ano, sem que haja fortes contrapartidas?
(PG) – Essa é uma questão importante. É conhecida a opinião na APICCAPS relativamente a este assunto. O aumento dos salários deve estar sempre em linha com os aumentos da produtividade. De outro modo, colocamos em causa a competitividade das nossas empresas e de milhares de postos de trabalho.