Autor: Nuno Oliveira
Mestre em Arqueologia
Caros leitores e internautas, neste espaço sobre o património de Felgueiras, decidi trazer um sítio com arte rupestre. Sim, para os mais distraídos temos efetivamente um extraordinário local com arte rupestre no nosso concelho.
Mas, antes de o descrever um pouco, há todo um percurso que penso ser necessário, até para a compreensão daquilo que muitas de vezes achamos difícil ou quase impossível de alcançar.
Recuemos uns anos. Entre os anos de 2015 ou 2016, aquando de um trabalho para a universidade, tive a necessidade de recorrer a alguns livros sobre o património felgueirense. E alertado pelo meu pai, que traz à minha mesa de trabalho um livro – já com alguns anos – mas que reúne de forma sucinta e bastante prática, grande parte do património arqueológico e arquitetónico. Desta forma, aponta-me para uma das páginas que tem uma magnífica fotografia das famosas “Pegadas de S. Gonçalo” – Vide página 25 da Publicação: “Felgueiras-Tradição com Futuro…”.
Já no Mestrado, e numa altura em que os alunos necessitavam de escolher um tema para a tese, enquanto falávamos de arte rupestre, lembrei-me deste sítio e dei conhecimento dele a um colega meu. Recordo que nesta altura ainda não sabíamos onde se localizava realmente esta rocha com arte rupestre. Desta feita, disse ao meu colega que iria tentar saber onde se localizava este sítio.
Na semana seguinte, mais concretamente um sábado (que ficará para sempre na memória de meu pai e na minha), fomos então em busca desta rocha gravada. Sabíamos a freguesia, onde se localizava através da legenda da tal fotografia, da citada publicação, mas pouco mais adiantava, tínhamos apenas a impressão que ficaria situado junto a um vale.
Então, numa área muito próxima à vila da Longra, e junto a terrenos agrícolas, tentamos observar algum penedo que se destacasse na paisagem. E realmente no acesso a um terreno agrícola havia um grande penedo, mas pensamos nós: “não pode ser aquele, isto deve ficar num sítio de acesso mais difícil”.
Estava uma jovem a sair de uma das casas dali daquela zona e perguntamos: “Pode dizer-nos onde fica ou se sabe o que são as pegadas ou pegadinhas de S. Gonçalo?” A jovem, com toda a calma e naturalidade deste mundo, tão sucintamente, como o conhecendo desde sempre, respondeu: “Sim.” E apontando para o tal penedo “É aquele ali”.
Agradecemos, e daí fomos de imediato ao local. Confirmámos que aquele penedo era o da fotografia da referida publicação. Assim, pude comunicar ao meu colega, a existência deste local com arte rupestre.
Terminada esta pequena introdução, é necessário referir que existem muitos outros sítios com estas “pegadas”, a que devemos chamar daqui para a frente podomorfos (altos ou baixos relevos na rocha com o formato de pé). Registam-se em Penafiel, Vizela, Guimarães e em muitos outros concelhos. Penso que um dos aspetos mais interessantes nisto de quem estuda arte rupestre, é a associação com as crenças locais que o sábio povo costuma atribuir a estes sítios gravados.
Uns chamam-lhes as pegadas do diabo, outros, como é costume nesta área, já próxima de Amarante, denominam de pegadas de S. Gonçalo, atribuindo as pegadas a um individuo beatificado. E não há mal nenhum nisso, é até algo bastante importante para se compreender a força e vitalidade dos mitos e lendas que povoam as nossas memórias.
Este afloramento rochoso não tem apenas podomorfos (mais de 15 pares de podomorfos, e outros tantos isolados), nesta rocha encontram-se ainda vários painéis com quadrúpedes (cavalos?) e várias covinhas. Além destes motivos terem sido gravados em períodos distintos, destaca-se ainda um grande círculo concêntrico quase no meio deste penedo e ainda um motivo mais figurativo, neste caso uma lira de base arredondada.
Para mais informações, consultar a tese de Mestrado de José Moreira, 2018 – http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/55899
Algumas destas gravuras, só após limpeza do penedo e subsequente fotografia aplicada depois a sistemas de 3D, é que permitiram uma leitura mais clara de toda a realidade gravada.
Termino, para não ser maçador, apenas com dois aspetos que me parecem muito importantes:
- É urgente musealizar o local. Limpar a rocha, chegar a acordo com os proprietários e a Câmara Municipal para a tornar visitável e legível para todos, conservando este importante local do Município de Felgueiras.
- Apenas um alerta, é necessária a boa preservação do local, portanto se o visitarem deixem exatamente como está. Tirem fotografias, mas não subam o penedo, não o destruam, nem grafitem, não façam fogo.
Apesar de não ser especialista em arte rupestre, e compreender que seja de difícil leitura para leigos, como arqueólogos, é nosso dever dar a conhecer, incentivar a sua preservação e a divulgação para todo o público.
Créditos da Imagem: “Pegadas de S. Gonçalo” – Vide página 25 da Publicação: “Felgueiras-Tradição com Futuro…”.