Em fevereiro de 2018 mais de 90 empresas portuguesas participaram na MICAM. Em fevereiro deste ano, a comitiva portuguesa nesta feira em Milão contou apenas com 32 marcas. Em 5 anos, a presença do setor do calçado português em Milão reduziu em cerca de dois terços.
Pedro Sampaio, responsável da Mazoni, em declarações no “O Mais Famoso Podcast sobre Calçado”, considera que as feiras “estavam a perder alguma da sua força”, no que concerne à capacidade de “conseguir novos clientes ou mesmo até encomendas e contactos”. Ainda mais que as feiras “além de serem caras, e a MICAM é uma feira bastante dispendiosa, muitas vezes não trazem o retorno que se esperava. Têm perdido um pouco essa mais-valia. E se calhar, por isso mesmo, as empresas preferem trabalhar de outra forma e alocar esse investimento de outra forma: catálogos, visitar clientes diretamente, enfim, uma série de coisas”.
O responsável da Mazoni recordou qua a sua empresa, até 2019, participava assiduamente na Expo Riva Schuh e na MICAM. Mas mesmo antes da pandemia a Mazoni decidiu deixar de expor Expo Riva Schuh, “porque não tinha visitantes ou interessados em ver, pelo menos, os stands portugueses. Eu até acredito que tivessem lá visitantes a ver as coleções dos asiáticos que estavam a expor. Mas dos portugueses, porque nós normalmente estamos mais ou menos juntos na parte onde expomos, não se via mesmo muita gente. Foi quase uma frustração para mim essa última feira e desistimos de fazer”, recordou.
“A MICAM é um tema diferente. A Micam é um statement da própria fábrica ou da própria marca, em querer continuar a apresentar lá a coleção própria que desenvolveu. É uma feira quase de comunicação para o mundo: estamos aqui, estamos vivos e estamos aqui ainda a desenvolver coisas novas. Há sempre clientes que que vão visitar a feira e que podem ser contactos existentes, adormecidos ou contactos novos que se possam lá conseguir fazer”, disse Pedro Sampaio.
“Para nós tem sido mais importante fazermos a MICAM para a apresentação da coleção primavera-verão, em que temos de facto mais alguma preocupação em fazermos de tudo para conseguirmos que a época corra bem, e não temos vindo a fazer a época de outono-inverno”, explicou.
Depois da pandemia, a MICAM tem estado em constantes restruturações, quer no número de dias da feira, quer na alteração dos pavilhões. Ainda no ano passado, a estava marcada para fevereiro, mas por causa da nova variante da covid-19, acabou por ser adiada para março.
De facto, os últimos anos não têm sido normais no setor do calçado. Primeiro por causa da pandemia, e depois devido ao grande volume de encomendas que o setor do calçado português teve em 2022. “Desde a pandemia que a MICAM, com a época de inverno, não tem estado muito regular. O primeiro ano regular que existiu, digamos assim, acho que foi setembro de 2022 e agora fevereiro de 2023. Nós decidimos não a fazer [a MICAM de fevereiro de 2023], e eventualmente outras empresas decidiram não expor, porque tinham, de certa forma, que «arrumar a casa». Depois de um ano tão atípico, tão difícil e tão intenso que foi o ano de 2022, eu penso que se calhar as empresas tiveram necessidade de trabalhar um pouco a sua parte interna, tentar trabalhar o melhor possível com os seus clientes e tentar que que as coisas funcionassem o melhor possível, não tendo tanta necessidade de ir para fora, para apresentar a coleção ou mesmo para tentar angariar clientes novos”, observou Pedro Sampaio.
A decisão da Mazoni em participar ou não na MICAM de fevereiro deste ano foi tomada em “em outubro, novembro, uma altura ainda muito difícil, em que tínhamos algum trabalho atrasado. Foi preciso «respirar um bocadinho», e nós estávamos ali com pouco oxigénio, depois de um ano de 2022 tão intenso”, enfatizou.
“Agora que as coisas acalmaram”, Pedro Sampaio adianta que a Mazoni vai “seguramente fazer MICAM de setembro, e depois, possivelmente, fazer a Micam de uma forma regular. Não sei se as outras empresas também vão dessa forma”.
Esta diminuição da presença portuguesa neste certame tem preocupado a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS). Numa recente circular enviada aos seus associados, a associação observou que o sector deve “reforçar a sua presença nos mercados internacionais”, com destaque para a presença do calçado português nas feiras internacionais, lembrando que alguns dos principais concorrentes da indústria portuguesa “já estão a fazer este caminho de forma muito forte e têm estado presentes de forma significativa e expressiva nos mais recentes certames internacionais”.
Responsabilidade social e ambiental: “Temos clientes exigentes, e a exigência traz exigência”
Ainda no “O Mais Famoso Podcast sobre Calçado”, Pedro Sampaio realçou que a consciência social e ambiental “vai ser cada vez mais importante para empresas e para mais setores. E eu penso que o sector do calçado está muito bem desenvolvido nessa área. Temos clientes exigentes, e a exigência traz exigência. Portanto, faz com que nós sejamos mais exigentes com nós próprios”. Isto faz com que tenhamos “melhores condições, com mais qualidade no trabalho”.
Na parte ambiental “nós temos vindo a ter uma atitude bastante proativa, no sentido de estarmos na linha da frente no que respeita ao desenvolvimento de produtos sustentáveis, ou cada vez mais sustentáveis. Queremos empresas e uma indústria que tenha uma pegada carbónica cada vez menor”. O responsável da Mazoni recordou que muitas empresas “já têm investimentos grandes no desenvolvimento da rede de energias de autoconsumo através de painéis solares, ou com carros elétricos”, para poderem estar à frente desta questão ambiental.
“Acho que é um esforço e uma vontade das próprias empresas em quererem avançar para este novo paradigma de sustentabilidade ambiental e social, e também pela própria exigência que os nossos clientes também nos trazem. E isso é que faz com que este cluster já esteja na linha da frente” na questão da sustentabilidade.