Autor: Paulo Alcarva
Consultor de empresas e Professor de Finanças | palcarva@gmail.com
O Brexit está cada vez mais próximo de ser um “hard Brexit”. Em vésperas do Conselho Europeu decisivo o acordo entre o Reino Unido e a União Europeia parece praticamente impossível, perante o impasse chamado Irlanda do Norte e a exigência da UE em querer mantê-la na união aduaneira do bloco comunitário. O prazo fixado para o Brexit, recorde-se, é no próximo dia 31 de Outubro.
A generalidade dos estudos efectuados sobre o impacto económico do Brexit coloca Portugal numa primeira linha de países potencialmente mais afectados, quer pela sua exposição ao Reino Unido, na medida em que é um dos países para quem o mercado do Reino Unido tem maior relevância, quer por ser um dos mais afetados pela incerteza gerada pelo processo (considera-se que a incerteza causada pelo Brexit terá maior impacto em economias com um maior gap negativo entre o seu output real e potencial, encontrando-se nesta situação Portugal, que em 2015, apresentava um gap estimado no PIB de -3,1% em relação ao potencial), quer ainda por ser um dos países potencialmente mais afetados pela diminuição das contribuições do Reino Unido para o orçamento da UE.
E os valores estimados para esses impactos negativos não são nada despeciendos. Em termos globais, estimam-se reduções nas exportações portuguesas para o Reino Unido entre -1,1% e -4,5%, reduções de fluxos de investimento direto estrangeiro (IDE) dirigidos a Portugal entre -0.5% e -1,9% e reduções de remessas de emigrantes entre -0,8% a -3,2%. A médio-longo prazo, a alteração do quadro de relacionamento entre o RU e a UE encerra um risco forte para as exportações de bens e serviços portuguesas, que pode resultar em reduções potenciais das exportações globais entre cerca de 15% e 26%, dependendo do tipo de relacionamento comercial futuro que vier a ser estabelecido.
Mesmo considerando que as magnitudes destes efeitos devem ser lidas com cautela, resulta claro um sinal de que os efeitos podem ser muito significativos, tendo em conta que o Reino Unido é o 4º mercado de destino das exportações portuguesas de bens (um total de exportações de mais de 3.917 milhões de dólares, o equivalente a 7,0% dos fluxos totais – a seguir a Espanha (26,2%), França (12,6%) e Alemanha (11,6%)) e o primeiro das exportações de serviços (transações na ordem dos 4.404 milhões de dólares, 15% do fluxos totais, e um crescimento médio anual desde 2010, de 5,1% ao ano).
Calçado e têxtil na mira
Em termos de produtos, são identificados como produtos com maior grau de risco associado ao Brexit os produtos informáticos, eletrónicos e ópticos, equipamento eléctrico e veículos automóveis. Mas, num segundo nível e risco ainda médio alto, aparecem os têxteis e o calçado tão representativos da região de Felgueiras.
Note-se que o têxtil (vestuário e lar) representou em 2017 um total de 421 milhões de euros de exportações (12% do total das exportações de bens para o Reino Unido) e o calçado 140 milhões de euros (4% do total).
O calçado e o têxtil são produtos para os quais o efeito de desconstrução associado ao Brexit e ao novo quadro de relacionamento do Reino Unido com as diversas economias pode-se traduzir na capacidade de outros países fora da UE ganharem quotas de mercado em termos relativos no Reino Unido em detrimento das exportações portuguesas. Deste modo, não é por acaso que, em termos de impactos regionais, as regiões que face à sua especialização produtiva enfrentam maiores riscos decorrentes do Brexit ao nível dos bens são o Alto Minho, Cávado, Ave e Tâmega e Sousa.
O Brexit será sempre, no curto-médio prazo, um processo de perdas assimétricas para o Reino Unido e para a UE (um jogo “loose/loose”) agravado pela sua própria natureza objetiva de complexo, aberto e alargado processo negocial, neste mesmo horizonte temporal, conduzindo a aumento significativo do nível de incerteza que parece ter vindo a ser descontado pelos mercados e pelos agentes económicos em geral. Mas dito isto, existem sectores e regiões mais vulneráveis, onde se encontra o Tâmega e Sousa.
Linha de crédito para os “lesados” do Brexit
Perante este cenário cheio de grandes incógnitas, mas com a certeza de que o impacto será sempre negativo, importa agir já para minimizar as perturbações. Até porque, sem o entendimento necessário, não haverá um período de transição como o previsto no acordo de saída, o que causará obviamente perturbações significativas para as empresas.
Entre as medidas para ajudar os cidadãos, as empresas e outras partes interessadas, sobre como proceder no caso de uma saída do Reino Unido da UE sem acordo, a Comissão Europeia aconselha o uso do Centro de Informação Europe Direct, que poderá ser contactado de qualquer local na UE, através do número gratuito 00 800 6 7 8 9 10 11.
Por sua vez, no âmbito do plano de contingência do governo nacional, está ainda disponível a Linha de Crédito de Apoio às Empresas com Exposição ao Brexit, com uma dotação global de 50 milhões de euros destinada a colmatar as falhas de mercado identificadas nas operações de financiamento a realizar por empresas que estejam a desenvolver uma estratégia para minorar o efeito negativo do Brexit, e que tenham trocas comerciais com o Reino Unido (com um valor superior a 15% do seu volume de negócios). Esta linha foi criada no âmbito da Linha de Crédito Capitalizar 2018.
O montante máximo de financiamento por empresa ascende a um milhão de euros e destina-se ao reforço de fundo de maneio ou investimento (activos produtivos, I&D&I, obtenção ou compra de marcas e patentes, e aquisição de empresas). Para o plafond de fundo maneio o prazo ascende a 5 anos em linhas de “revolving” (conta-corrente, factoring/confirming), com garantia mútua até 75% do capital em dívida em cada momento do tempo, sendo a comissão integralmente bonificada. No caso do financiamento de investimento prazo é o dobro e conta com a mesma garantia mútua.
Em conclusão, prepare-se diversificando ainda mais os seus mercados-alvo, esteja atento a ecentuais oportunidades de negócio que surgem sempre em momentos de indefinição, e aproveite as condições especiais de financiamento que o estatuto de empresa exportadora para o Reino Unido garante. Haja de minimis.
Por opção do autor, este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico.