Nascida em Várzea, Lídia Faria, de 23 anos, frequentou o Ensino Básico e Secundário de Felgueiras, tendo ingressado em 2016 no Ensino Superior em Vila Real, na Licenciatura de Genética e Biotecnologia. Numa entrevista exclusiva ao Felgueiras Magazine, a estudante felgueirense fala sobre o seu percurso académico, até obter a nota máxima de 20 valores, na tese de Mestrado em Oncologia no ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto.
Lídia Faria descreve-se como uma pessoa dedicada, humilde e persistente, e partilha que os últimos anos a têm ajudado a perceber aquilo que é, bem como a ter noção das suas capacidades. Acredita que estas três qualidades a fizeram chegar até aqui, e que, de futuro, irão ajudá-la na sua vida pessoal e profissional. Confessa não ter nenhum hobby, uma vez que os tempos livres são praticamente nenhuns. Entre as horas passadas no laboratório e o part-time ao fim-de-semana, Lídia conta que sempre que é possível prioriza o tempo com os amigos, e que os filmes e séries também são sempre uma boa ideia.
Felgueiras Magazine – Quando te perguntavam em criança “o que queres ser quando fores grande?”, o que respondias?
Lídia Faria – Ao contrário do que seria expectável, eu nunca pensei que queria ser cientista. Na verdade, eu nunca fui pessoa de fazer planos a longo prazo, mas sim de ouvir aquilo que eu sentia no momento, e confiar na minha intuição. No entanto, acredito que já demonstrava algumas características que são importantes para a minha profissão, sobretudo a minha curiosidade, e o constante questionar.
Felgueiras Magazine – Como foi o percurso até chegares à oncologia?
Lídia Faria – O meu percurso até à Oncologia não foi planeado, foi-se desenhando com o passar dos anos. Foi em Felgueiras que frequentei o Ensino Básico e Secundário no curso de Ciências e Tecnologias, e foi esta escolha que ditou o início do meu percurso. Aquando da escolha da licenciatura, sabia que queria integrar a área da Saúde. Cheguei a pensar que queria entrar em Medicina, mas ao pensar sobre o assunto, percebi que não queria ser médica. Não queria estar em contacto direto com o doente, mas queria sim, como eu costumo dizer, “estar na retaguarda”. Aquilo que eu queria fazer, era olhar para a patologia daquele doente, percebê-la, e delinear um plano de tratamento. Por esse motivo, a minha primeira opção foi a Licenciatura em Genética e Biotecnologia, pois integrava uma grande componente teórica e prática, e me iria dar as bases que eu necessitava. Foi durante essa jornada, que descobri a área em que me queria especializar: a Oncologia. Em 2019 fiz um estágio curricular no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde – i3S, e no Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto – IPATIMUP, que me fez sentir que estava no caminho certo. Foi esse o mote para colocar o Porto no mapa do meu percurso profissional, e integrar o Mestrado em Oncologia em 2019.
Felgueiras Magazine – Qual o tema da dissertação da tese, e correspondentes objetivos?
Lídia Faria – O Cancro da Mama Triplo-Negativo é o subtipo de cancro da mama com maior taxa de mortalidade. Desta forma, é crucial compreendermos os mecanismos que promovem esta agressividade para que possamos desenhar melhores estratégias terapêuticas para estes doentes. Usando um modelo de linha celular mamária, o trabalho desenvolvido nesta dissertação mostrou que a ativação de uma via de sinalização numa fase pré-maligna, ou seja, no contexto de um tumor benigno (localizado) serve como gatilho para a progressão maligna. Deste modo, acreditamos que esta descoberta abre a possibilidade de esta via ser usada como alvo terapêutico para prevenir essa progressão.
Felgueiras Magazine- Como é que se consegue 20 valores numa dissertação de mestrado? É preciso estudar muito?
Lídia Faria – Eu nem queria acreditar quando ouvi o júri da defesa a dizer “20”. Não sei se por causa da humildade que me caracteriza, mas nunca achei que chegaria a este patamar. Todos me diziam “ninguém tira 20!”. Para mim este 20 veio confirmar aquilo que eu já tinha percebido há uns meses atrás: estou no caminho certo!
Esta nota é fruto de muito trabalho e dedicação! Desde que cheguei ao i3S em setembro de 2020, esta tese tornou-se a minha prioridade. Mais importante do que estudar muito, é ler muito, e questionar muito! Ter espírito crítico, boa capacidade de comunicação e, sobretudo, confiança nas nossas capacidades.
Felgueiras Magazine – Qual a maior alegria de pertencer a esta área?
Lídia Faria – Saber que o nosso trabalho vai fazer a diferença na vida de alguém. Para conseguirmos desenvolver tratamentos mais eficazes e com menos efeitos secundários, é necessário um melhor conhecimento da doença. Ainda há um longo caminho a percorrer até chegarmos a uma medicina personalizada onde vamos tratar o doente, e não a doença. Onde vamos olhar individualmente para o tumor de um doente, e desenhar um plano de tratamento.
Felgueiras Magazine – Qual o maior desafio que se enfrenta ao trabalhar em Oncologia?
Lídia Faria – Na minha opinião há um caminho a percorrer para combater a precariedade em que a maioria dos investigadores vivem em Portugal. Acredito que é necessário olhar para a forma como se investe na Ciência em Portugal para assegurar a sua qualidade e a estabilidade dos investigadores.
Felgueiras Magazine – Quais os planos para o futuro, a nível profissional?
Lídia Faria – O trabalho que foi desenvolvido durante esta dissertação é contínuo, e neste momento continuo a integrar o grupo Cytoskeletal Regulation & Cancer, no i3S. Continuamos a construir esta história que será, em princípio já no início deste ano, submetida sob a forma de um artigo numa revista científica da área. Num futuro próximo, os meus planos são de aqui continuar, e ajudar a perceber os mecanismos que levam à progressão tumoral. Acredito que este foi um ótimo começo e que, a longo prazo, a Ciência e a Oncologia continuarão a fazer parte do meu percurso profissional.
Felgueiras Magazine – Qual a mensagem que deixarias a alguém que está a enfrentar esta doença?
Lídia Faria – Confiem na Ciência! Tudo aquilo que sabemos hoje em dia, começou com uma investigação. Nós, investigadores, trabalhamos para cada vez mais conhecermos melhor a doença e combatê-la, tendo sempre como principal objetivo a qualidade de vida do doente.