No sentido de compreender melhor se estamos perante uma nova revolução industrial com o que se designa por Indústria 4.0, continuo a transcrever a entrevista que fiz ao Professor Norberto Pires (http://www.jnorbertopires.pt/) e cuja primeira parte foi publicada no passado Domingo.
P – A Indústria 4.0 exige novas competências na mão de obra? Quais?
R – A Indústria 4.0 coloca dois grandes desafios. Em primeiro lugar, exige novas competências e conhecimentos, abrindo espaço para uma nova oferta de emprego que atinge valores significativos. No entanto, por outro lado, abate muitas das funções que hoje são desempenhadas por muitos milhões de pessoas, colocando o desafio de as reconverter. Ou seja, sendo a Indústria 4.0 um plano para reganhar competitividade, tendo muitos de nós colocado o foco nos aspetos tecnológicos e nos ganhos potenciais, deixamos em aberto, sem acautelar, as enormes necessidades de formação de perfis muito diferenciados dos atuais (ligados a uma nova realidade, com máquinas, mais digital, mais relacionada com a gestão de grandes volumes de informação em tempo-real) e que apelam a capacidades que não treinamos devidamente (os aspetos tecnológicos, a capacidade de usar máquinas, de as programar, o espírito crítico, a capacidade de apreender rapidamente novas realidades, a liderança, a valorização da competência, etc.), mas também a reconversão daqueles que são apanhados pelo processo (desenhado para ser rápido). Os números são muito claros. No ano passado, um relatório do World Economic Forum dizia que em 2020 haveria só no espaço europeu um déficit de 1 milhão de engenheiros de dados. Nem todas as universidades europeias são capazes de formar toda esta gente. No mesmo relatório, as empresas confessavam que 41% dos seus trabalhadores iam precisar de planos de formação superiores a 3 meses, e que 20% precisariam de 6 meses ou mais (10% mais de um ano). É fazer as contas, como dizia António Guterres. Estudos de várias consultoras nacionais e internacionais (como a PwC, Mckinsey e Boston Consulting Group) apontam para um incremento de oferta de emprego em toda a Europa na ordem dos 5% (nos próximos 10 anos) do total de pessoas a trabalhar nas áreas associadas à Indústria 4.0, o que equivale a mais de 16 milhões de empregos (350 mil só na Alemanha). Os desafios de formação, que estavam bem presentes no relatório da Boston Consulting Group que deu origem à Indústria 4.0 foram negligenciados e são agora um enorme problema, para os quais não estamos preparados e podem gerar um gravíssimo problema social. Por exemplo: Segundo a famosa revista Harvard Business Review, 5 dos novos tipos de empregos criados pela Indústria 4.0 estão classificados entre os 20 empregos mais “sexiest” do século XXI. Esses empregos são: 1) Industrial data scientists; 2) Robot Coordinator; 3) Industry 4.0 solution architect; 4) Industrial computer engineer/programmer; 5) Industrial UI/UX programmer. Ou seja, tudo empregos novos, para os quais não formamos pessoas.
P – As universidades portuguesas estão a acompanhar a formação destas novas competências?
R – Penso que não. No outro dia, num evento em Coimbra, um empresário nacional que fatura mais de 600 milhões de euros, colocou o dedo no problema dizendo, a determinada altura, que a Universidade ensina mais ou menos como fazia há 50 anos. São os mesmos métodos, às vezes com as mesmas pessoas, ou outras iguais, sem se aperceberem de uma enorme necessidade de mudança. Não só na oferta formativa, mas essencialmente na forma como se ligam ao mundo, como o R&D está orientado, também para melhorar a economia, na forma como lidera as transformações sociais e económicas e na forma como é suporte dessas transformações. É uma mudança gigantesca porque implica sair de uma lógica centrada em si própria, para uma lógica centrada no serviço prestado: no ensino, na ciência e na capacidade de mudar o mundo.
António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Leia a primeira parte desta entrevista em: https://www.felgueirasmagazine.pt/industria-4-0-parte-i/