Em 6 de novembro, Donald Trump foi eleito o 47.º Presidente dos Estados Unidos, reacendendo o debate sobre tarifas comerciais que poderão moldar significativamente a indústria de calçado. O Presidente-eleito reiterou recentemente a intenção de impor uma tarifa de 25% sobre produtos importados do Canadá e México, além de uma tarifa adicional de 10% sobre importações da China. Essas medidas levantam preocupações para os principais players do setor, mas também apontam para possíveis oportunidades para o calçado português.
As medidas seguem a promessa feita por Trump, no início de 2024, de implementar uma tarifa de 10 a 20% sobre importações de todos os países estrangeiros e uma tarifa adicional de 60 a 100% especificamente sobre produtos importados da China.
A Relevância do Mercado Norte-Americano
Atualmente, os Estados Unidos ocupam a 6.ª posição como destino das exportações de calçado português. Em 2023, o setor exportou 101 milhões de euros para o mercado norte-americano, consolidando um crescimento acumulado de 44,3% desde 2018. Paulo Gonçalves, diretor de Comunicação da APICCAPS, destaca a importância estratégica do mercado: “É o maior mercado do mundo. E aquele que apresenta maior potencial de crescimento para as empresas portuguesas. É, por isso, a nossa grande prioridade.”
Contudo, Paulo Gonçalves alerta para os riscos da incerteza: “o maior risco nesta fase é o de incerteza, que penaliza naturalmente os negócios. Há uma ameaça clara de alteração significativa da política externa norte-americana, que naturalmente não desejamos. Com efeito, para um setor como o nosso, que exporta mais de 90% da produção, a defesa do comércio livre, justo e equilibrado é essencial.”
Perspetivas Económicas
Patrícia Covita, economista numa empresa do setor do calçado, avalia que as tarifas podem tanto introduzir riscos quanto oportunidades. “Com a eleição de Donald Trump nas presidenciais americanas, a reconfiguração das políticas comerciais dos EUA pode introduzir um cenário de oportunidades e riscos para as exportações portuguesas. Trump defendeu políticas protecionistas, com o aumento de tarifas sobre produtos oriundos de países asiáticos, o que pode tornar o calçado português mais competitivo no mercado norte-americano”.
“Como os EUA representa um mercado importante para o setor, as políticas protecionistas de Trump podem tornar o calçado português mais competitivo nos EUA, favorecendo a substituição das importações asiáticas por calçado português, que combinam qualidade com um posicionamento de preço competitivo”, afirma. Porém, ela sublinha a necessidade de estratégias de diversificação: “A incerteza quanto à duração e amplitude destas políticas exige uma análise rigorosa e estratégias de diversificação de mercados por parte dos exportadores nacionais”.
Impacto das Políticas de Trump
Pedro Fonseca, diretor do Felgueiras Magazine e mestre em Economia, considera que as propostas de Trump requerem uma leitura cuidadosa: “Muitas declarações foram feitas em contexto de campanha eleitoral, pelo que devem ser analisadas com algum cuidado. Mas parece inevitável que o novo Presidente aplique tarifas a várias importações. O impacto específico dependerá dos valores e setores abrangidos.”
Pedro Fonseca acredita que uma “guerra comercial” entre os EUA e a China poderá beneficiar o calçado português, embora ressalve as dificuldades para entrar no mercado norte-americano. “Se houver uma substituição das importações chinesas, as empresas portuguesas da indústria de calçado terão oportunidades. Mas é essencial garantir competitividade em termos de preço e distribuição.”
Oportunidade ou Risco para Portugal?
A implementação de tarifas pode redefinir a dinâmica global do setor. “Ainda assim, os cenários em cima da mesa poderão não penalizar diretamente o calçado português: aumento das taxas na ordem dos 10% para todos os players; aumento para a China na ordem dos 100%. Em todo o caso, é naturalmente difícil antecipar as consequências de uma decisão desta natureza, até porque poderemos enfrentar uma concorrência acrescida do calçado chinês noutros mercados”, diz Paulo Gonçalves.
Embora o calçado português tenha potencial para expandir nos EUA, o aumento da concorrência em outros mercados e a incerteza sobre a política de Trump exigem cautela. Como conclui Paulo Gonçalves, “não gostaríamos, naturalmente, que a política externa americana se alterasse de forma significativa. Rejeitamos sempre novas ondas protecionistas que penalizem o comércio internacional”.
O setor deve manter uma abordagem vigilante, reforçando a sua presença no mercado norte-americano enquanto diversifica mercados para mitigar riscos. O próximo mandato de Trump promete ser desafiador para o comércio global, mas também pode ser uma oportunidade para o calçado português mostrar o seu valor.
Reações da Indústria dos EUA e Estratégias de Mitigação
A promessa de Donald Trump de aplicar tarifas às importações está a gerar preocupação na indústria norte-americana de calçado. Atualmente, 99% do calçado vendido nos Estados Unidos é importado, principalmente da China, Vietname e Indonésia. Um inquérito recente da Footwear Distributors and Retailers of America (FDRA) revelou que a política de tarifas do governo é a principal preocupação para a maioria dos executivos do setor à medida que se aproxima 2025.
De acordo com a FDRA, 82% dos executivos inquiridos antecipam um aumento dos custos devido às novas tarifas, o que poderá levar a um aumento dos preços ao consumidor. Esta situação coloca pressão adicional sobre um setor já altamente dependente de importações, forçando as empresas a reconsiderar as suas cadeias de abastecimento e estratégias de mercado.
As empresas norte-americanas de calçado, como a Steve Madden e a Dick’s Sporting Goods, entre outras, estão a adotar estratégias para mitigar os potenciais impactos económicos.
A Steve Madden, reconhecida marca de calçado, anunciou planos para reduzir em até 45% a sua dependência de fornecedores chineses no próximo ano. Esta decisão surge em resposta às propostas de Trump de aplicar tarifas sobre produtos importados da China. Para concretizar esta mudança, a empresa está a estabelecer bases de produção em países como Camboja, Vietname, México e Brasil, procurando alternativas que minimizem os custos adicionais decorrentes das tarifas.
A Dick’s Sporting Goods, uma das maiores retalhistas de artigos desportivos nos EUA, também está a preparar-se para enfrentar as potenciais tarifas. A empresa planeia recorrer a estratégias previamente utilizadas durante disputas comerciais anteriores, incluindo a diversificação da sua cadeia de abastecimento para reduzir a exposição a países sujeitos a tarifas elevadas. Além disso, a Dick’s Sporting Goods mantém parcerias sólidas com fornecedores de marcas nacionais, permitindo uma colaboração eficaz na mitigação dos impactos financeiros das tarifas propostas.
Impacto nas Cadeias de Abastecimento Globais
A mudança de produção da China para países como Brasil, México e Vietname reflete uma tendência crescente entre as empresas que procuram evitar os custos adicionais associados às tarifas. Esta reconfiguração das cadeias de abastecimento pode beneficiar indústrias de calçado em países alternativos, incluindo Portugal, que podem posicionar-se como fornecedores viáveis para algumas marcas do mercado norte-americano.
Impacto nos Consumidores e no Poder de Compra
As tarifas propostas não afetam apenas os produtores, mas também têm implicações diretas para os consumidores. A National Retail Federation (NRF) estima que os consumidores americanos possam perder entre 46 e 78 mil milhões de dólares em poder de compra anual devido às tarifas. Por exemplo, o preço de um par de sapatos desportivos de 50 dólares poderia aumentar para entre 59 e 64 dólares.
Além disso, categorias de produtos como vestuário, brinquedos, móveis, eletrodomésticos e bens de viagem também enfrentariam aumentos de preços significativos, afetando desproporcionalmente as famílias de baixa renda. A NRF sublinha que as tarifas funcionam como um imposto pago pelos importadores dos EUA, e não pelos países exportadores, resultando em custos mais elevados para os consumidores finais.