É com nostalgia que Salvador conta que “tudo começou em 1988”, quando “estava imigrado na Venezuela, com apenas 16 anos”. Apesar de ser “muito pobre”, porque “sou filho de gente humilde, do campo”, sempre teve alguém na família, “sobretudo a minha mãe, que sempre me inspirou a que fossemos para a frente, enquanto podíamos, e erámos jovens”.
“Passado 12 anos de eu lá estar, e percebendo que aquele período não me levaria ao futuro que eu desejava, que era ter paz e sossego e construir a minha família, resolvi vir para Portugal e tratar de adquirir alguma coisa cá. Este prédio [edifício onde está localizado o restaurante Cova Tropical] estava a começar a ser construído, e eu comprei o espaço no projeto. Vi que teria aqui uma oportunidade, mais ou menos como a que eu aspirava, e arrisquei”, explica o empresário.
“Sempre pensei num restaurante”, explicando que a área da restauração era atividade que em que trabalhava da Venezuela. “Eu fazia um bocadinho de tudo”, diz. O gerente do Cova Tropical expressa que uma das maiores lições aprendidas na vida é que “se nós não conhecermos um bocadinho de tudo, soubermos fazer um pouco de tudo, diria que em qualquer atividade, nunca teremos sucesso“.
“Na Venezuela eu tive uma sociedade, um estabelecimento com três vezes mais movimento do que aqui. Posteriormente montei outro espaço sozinho, num período em que já pensava vir para cá, já tinha isto adquirido. Mas como as obras ainda estavam muito atrasadas, eu estive lá mais dois anos“, explica Salvador.
Com alguma tristeza, Salvador descreve o seu regresso a Felgueiras: “vi que nós ainda vivíamos uma cultura bastante diferente daquela que eu pensava que, porventura, iria encontrar aqui. Mas ainda estávamos na fase de arranque da modernização”.
O proprietário do restaurante confessa que “na altura montei a casa aqui, com o estilo de cá, ou seja: dividido em duas secções. Uma era destinada aos lanches, e a outra era para refeições”. Salvador reconhece que “não resultou como queria”, e, por essa razão, “em meados de 2000 transformei esta casa, outra vez”.
É com um brilho nos olhos, que Salvador assume que esta “tem sido a aventura da vida”, e dá graças por adorar o que faz. Quanto ao restaurante Cova Tropical, não lhe poupa elogios, enumerando diversas razões que considera que diferenciam o espaço, como “a facilidade de chegar e ser servido”, o facto de a comida que o cliente vê exposta ter “ainda melhor sabor”, a “qualidade dos produtos”, uma vez que preza por saber o que compra, a “rotatividade das ementas” durante a semana, a casa “sempre em estado novo”, e, como não podia deixar de ser, “os colaboradores que vestem a camisola, e que muitos deles estão aqui há 15/20 anos”.
O empresário garante nunca viu “ninguém sair daqui, a dizer que ia ganhar mais para outro lado, porque eu não lhe pagasse o justo. Isso é uma coisa que sempre mantive como uma bandeira. Porque o trabalhador, quando ganha bem, é porque produziu bem, e por isso deve ser compensado pela sua dedicação. Se eles tiverem bem, o nosso restaurante está bem“, atesta Salvador.
Nem sempre Salvador esteve no auge. O empresário confessa que houve um momento em que pensou desistir. “Antes de ter esta casa, quando ainda era a tradicional, não gostava do tipo de clientes que frequentava. Eram pessoas que não era aquilo que eu esperava. A culpa não era deles, provavelmente era minha, porque eu é que criei uma ideia de um negócio, e sofri com as minhas expectativas”. Em tom de desabafo, Salvador diz que “isso desiludiu-me bastante, porque dei tudo de mim, gastei o que tinha e o que não tinha, e não me senti feliz“.
O gerente acredita que “hoje tudo seria diferente”, mas reconhece que “essa aprendizagem foi necessária, porque depois compreendi que eu é que não me sentia feliz, e a culpa dessa infelicidade era minha. Estava nas minhas mãos mudar isso”.
É com surpresa que Salvador recorda “quando eu mudei para o conceito que tenho hoje, vieram-me os clientes duma maneira que eu nunca esperava. Veio o homem do topo de gama, ao mais pobre, e sentavam-se na mesma mesa”. Sorridente, o gerente do Cova Tropical diz que isso o encheu “de felicidade”, pois percebeu que “finalmente podia ter um negócio para todo o tipo de gente, e onde todos se sentiam felizes dentro dele”.
Lembrando-se de um episódio caricato da sua vida, Salvador conta que “há sensivelmente quinze anos atrás, um senhor que hoje tem quase 90 anos, e que foi comerciante toda a vida, perguntou-me qual o segredo para conseguir ter o funcionário fabril, o encarregado, o patrão, o advogado, o presidente da câmara no mesmo local”. Serenamente, o experiente profissional responde que “o segredo do sucesso é tratar de igual forma todos, e fazer com que as pessoas se sintam bem“.
Numa pequena reflexão sobre o concelho que o viu nascer, Salvador comenta ser da opinião que “Felgueiras mudou muito a nível mental, e a nível de infraestruturas está no caminho certo”.
O empreendedor assegura que Felgueiras “está enraizada numa cultura de povo de trabalho, mas povo que quer ir para a frente. Que vê os outros a crescer e quer crescer também”, assumindo que a dificuldade do concelho foi “perceber que tudo é possível”, uma vez que “Felgueiras tem imensa estrutura industrial, tem produções que ninguém tem”, e que, por isso mesmo, “não há motivos para não ser iguais a outros concelhos ou até superiores“.
Quanto aquilo que faz falta a Felgueiras, Salvador defende a criação “de uma boa rede de desenvolvimento, e permitir que as pessoas não tenham tantos entraves. Ruas, parques, bons acessos, boas áreas para poder construir, tudo isso ajuda a fixar as pessoas, e até a trazer outras de cidades vizinhas”.