Autor: Nuno Oliveira
Mestre em Arqueologia
Caros leitores, como prometido o último texto deste ano iria trazer a esta rubrica um sítio arqueológico que foi escavado no nosso concelho, e que por razões de desenvolvimento económico foi parte dele, não destruído, mas registado e depois soterrado pela construção do nosso acesso à autoestrada.
Falo-vos do Povoado da Cimalha, situado na freguesia de Sernande.
Estávamos em 2003 aquando do primeiro estudo de impacto ambiental para a construção do sublanço que conduz às portagens da A11.
Foi uma escavação bastante ampla em área com “apenas” 4500 m2. Garanto que é uma dimensão considerável, num total de 170 dias de escavação, separadas por 3 fases distintas. Numa primeira fase foram efetuadas apenas algumas sondagens para compreender o potencial do sítio. Logo aí se percebeu a importância do sítio arqueológico. E as duas fases seguintes prolongaram os trabalhos até aos finais de fevereiro de 2005. Esses trabalhos foram feitos primeiramente por uma empresa contratada para os estudos de impacte ambiental e depois seguiu por uma equipa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Para os mais incautos, à época da escavação tratava-se do segundo povoado de grande dimensão e com fossas datável genericamente da Idade do Bronze Final.
O que torna este sítio tão interessante e importante e que na minha opinião não devia ter sido “tapado” pelo acesso à autoestrada?
Desde logo a existência de três áreas funcionais: uma área habitacional a que correspondem os buracos de poste (das cabanas feitas em materiais como argila ou material perecível), uma área com silos (fossas) para armazenagem de alimentos e finalmente (e talvez a área mais importante e significativa) uma necrópole – tão somente – composta por 175 sepulturas. Se um povoado destas dimensões e com estas características já era algo importante e relevante para o estudo da Pré-História recente, a recuperação nessas sepulturas de um total de 118 vasos, na sua maioria completos, tornou ainda mais espantosa e significativa a descoberta deste sítio.
Aquando das escavações e pela consulta do relatório publicado em boa hora pela Câmara Municipal de Felgueiras, os arqueológos ficaram convictos de que só foi escavado 1/5 de todo o povoado. Portanto, poderia ter uma dimensão de vários campos de futebol.
Até hoje várias foram as tentativas de estudo do sítio por parte de vários alunos de várias universidades. E por isso o material e os resultados que se podem obter através de vários tipos de estudo – que não vou enumerar aqui – ficaram até hoje em repouso em várias instituições. Sim, para os mais distraídos muitas vezes o material com origem numa escavação arqueológica pode ficar à guarda de várias instituições. O que na minha opinião é absolutamente errado. Devia acontecer o inverso, finda uma escavação todo o espólio deve ser entregue numa instituição (museu) ou neste caso na Câmara. Além disso, podem acontecer imprevistos ou outros problemas. Por exemplo desaparecerem vasos. Isto aconteceu com espólio da Cimalha. Algures nos intrincados caminhos que este espólio levou, há notícia do desaparecimento de pelo menos um vaso. Contudo, quase toda a totalidade de espólio cerâmico, lítico e outros (sedimentos ou terras) encontram-se seguros nos serviços de arqueologia da Câmara. E ainda bem.
Porém, o sítio foi de facto sepultado por baixo do acesso da autoestrada. Ficam só algumas questões:
Esse acesso não poderia ser feito noutra área?
Não devia ter havido (sei que houve algum) mais empenho da Câmara mas sobretudo na época de instituições superiores como é o caso do IPPAR e outras entidades culturais para prevenir sepultar este sítio?
Não teria sido mais conveniente tornar este sítio visitável e por isso uma fonte também de rendimento e para fruição de todos?
Pela provável dimensão ainda hoje este sítio podia estar a ser escavado e constituir um pilar na formação cultural no nosso concelho e com essas escavações apurar-se mais informação sobre esta época, da qual para o nosso concelho temos praticamente nenhuma informação, a não ser precisamente deste sítio?
Por isso disse no texto anterior que este sítio, não sendo um mau exemplo é sem dúvida lamentável que todo o processo tenha sido conduzido para o registo e depois enterrar novamente o sítio. Pelo menos há uma certeza, toda a área em volta está protegida e sempre que alguém queira fazer qualquer obra é necessário primeiro um estudo de impacto arqueológico.
Ainda hoje está por concretizar um estudo aturado de todo este sítio. Falta perceber a sua organização, estudar devidamente o espólio, quais os períodos cronológicos se registam… Mas sei também de fonte segura que finalmente pelo menos parte deste irá ser estudado. Espero para o bem de todos que seja desta vez se publique e estude algum dos aspetos deste povoado e se comece a lançar alguma luz sobre este período neste território do Vale do Sousa.
Finalmente, uma palavra relativamente ao espólio que me é um assunto caro. É necessário investir numa reserva decente para albergar este espólio arqueológico, como de outro sítio, também Monumento Nacional como é o caso do Mosteiro de Pombeiro, cujo espólio – pelo menos parte – está à guarda numa empresa de arqueologia privada.
Fica a pergunta: até quando? Este é o meu desejo e apelo para os responsáveis da Câmara Municipal para o ano de 2022.
Para o ano continuaremos na senda da cultura e do património de Felgueiras para todos os felgueirenses.
Assim me despeço de vós, desejando-vos um Santo e Feliz Natal com saúde e um Excelente Ano 2022, repleto de saúde, projetos e cultura.
Foto de capa: Vista área do sítio (Fonte: Povoado do Bronze Final da Cimalha. Sernande, Felgueiras. Relatório Intervenção Arqueológica. Edição Câmara Municipal de Felgueiras.)