Carlos Cunha, natural do Porto e com raízes familiares na Refontoura, faz parte da quinta geração da Quinta da Minhoteira, uma propriedade que pertence à sua família desde 1807. Formado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, desenvolveu uma carreira sólida em multinacionais como a Procter & Gamble, SONAE, Philips e Omega Pharma, antes de se aventurar no franchising, onde hoje lidera os restaurantes McDonald’s de Felgueiras, Fafe e Guimarães, e gere uma equipa de 300 colaboradores. Casado e pai de dois filhos, Carlos Cunha é apaixonado por vinhos – uma tradição familiar que mantém viva – e um entusiasta do padel. Além disso, coleciona legos, sobretudo da saga Star Wars, e é fascinado por história e cinema, especialmente filmes sobre as Guerras Mundiais.
Como surgiu a oportunidade de entrar no negócio da McDonald’s?
Estava nos meus 40 anos, numa crise de meia-idade, e surgiu a oportunidade da McDonald’s. Tenho um grande amigo que tinha trabalhado comigo no início da minha carreira, na Procter & Gamble, o John Alves, que na altura era diretor de marketing da McDonald’s e que estava sempre a insistir para que eu fosse franqueado. Pensei: “Olha, deixa-me lá ver isto”, e entrei no processo um bocadinho a olho, quer eu, quer a minha mulher.
É muito difícil entrar no franchising. O processo é muito longo e muito criterioso.
Carlos Cunha
Qual foi o seu primeiro McDonald’s?
Comecei em Lisboa, na Margem Sul, na Charneca da Caparica. O segundo foi no Seixal, e o terceiro na autoestrada que vai para o Algarve. Há um ano e meio, o franqueado responsável pela zona de Guimarães e Felgueiras reformou-se, e eu aceitei o desafio, assumindo esta zona. Neste momento, tenho três McDonald’s em Guimarães, estamos agora a tratar das obras do quarto, que será na Quintã, junto à Universidade do Minho, além do de Fafe, que abriu em dezembro, e do de Felgueiras. São cinco no total. Entretanto, tive de deixar os três primeiros porque não se pode gerir várias zonas.
Cerca de 20% dos seus colaboradores são imigrantes. Como tem sido acolher trabalhadores estrangeiros?
A minha experiência tem sido boa, mas acho que no Norte ainda não estamos muito preparados para os receber. Somos muito hospitaleiros, mas isto ainda é uma realidade nova, sobretudo nesta região. No entanto, penso que estamos a adaptar-nos mais rapidamente do que outras zonas. O Norte sempre viveu do comércio e do negócio, por isso estamos habituados a lidar com todo o tipo de pessoas. Enquanto organização, estamos a fazer um grande esforço para os receber bem, até porque o futuro da restauração, hotelaria e turismo – áreas cruciais para Portugal – depende, essencialmente, da imigração.
A exigência ao nível da higiene e da segurança no trabalho é grande?
Somos obcecados com higiene e segurança alimentar e, por inerência, com segurança no trabalho. A própria marca exige. Vou dar exemplos paradigmáticos que muitas pessoas desconhecem – e é por isso que gostamos de convidar as pessoas a visitar as nossas cozinhas. Lavamos as mãos de meia em meia hora, o que não é algo comum. E como garantimos? Existe um registo biométrico que dispara um alarme; o gerente de turno avisa o colaborador, que grava o dedo para documentar que lavou as mãos. Se não lavar, tem de justificar. Claro que, se apanhar um papel do chão ou tirar a rede do cabelo, também tem de voltar a lavar as mãos.
Somos rigorosos no controlo das temperaturas; todos os produtos são refrigerados ou congelados, e a cadeia de frio, desde o produtor até ao restaurante, nunca é quebrada. Também controlamos as validades: temos a validade primária, que vem do produtor, e a validade secundária, após a abertura. Isto não é apenas por segurança alimentar, mas para garantir a qualidade. Por exemplo, a alface só pode estar na mesa de condimentação durante duas horas. Não é que esteja imprópria para consumo depois disso, mas deixa de ter os standards de qualidade que exigimos nos nossos produtos. Esta é uma máquina muito bem montada.
O critério de lavar as mãos de meia em meia hora deveria ser aplicado em todos os restaurantes.
Carlos Cunha
Na gestão de restaurantes, vê práticas da McDonald’s que poderiam ser aplicadas em restaurantes tradicionais?
Na segurança alimentar, claramente. O critério de lavar as mãos de meia em meia hora deveria ser aplicado em todos os restaurantes. Também o rigor que temos na aplicação das leis laborais é algo essencial, mas que não vejo em toda a restauração. Aqui, ninguém pode trabalhar mais de cinco horas seguidas sem ter meia hora de pausa. Se trabalhar oito horas diárias, tem direito a duas refeições. Tudo isto está no contrato coletivo de trabalho, mas nem todos cumprem. Como temos picagem de cartão, qualquer trabalho que exceda 15 minutos do horário previsto é pago como horas extra. Se o colaborador trabalhar depois das 23h, recebe horas noturnas. Acho que este rigor com as leis laborais e com a segurança e higiene no trabalho deveria ser seguido em toda a hotelaria.
Como é trabalhar na McDonald’s?
O nosso grande desafio é melhorar a imagem que as pessoas têm de nós como empregadores. Achamos que a perceção ainda não corresponde à realidade. Penso que existe o mito de que os colaboradores não são bem tratados, e esforçamo-nos muito para provar o contrário. Atualmente, estamos focados na Geração Z, que está a entrar no mercado de trabalho, e esforçamo-nos cada vez mais para nos adaptarmos a eles, em vez de os forçar a adaptar-se a nós. Claro que as regras da marca são para cumprir, mas já somos mais flexíveis do que a maioria. Se alguém quiser tirar um curso, adaptamos os horários. Se só puderem trabalhar ao fim de semana, à noite ou apenas durante a semana, também conseguimos ajustar. Se tiverem um teste e precisarem de folga, fazemos o possível para ajudar. Esta flexibilidade é fundamental.
Como são definidos os salários?
Temos feito um grande esforço para melhorar os salários. Antes, estávamos no limiar do salário mínimo, mas agora esforçamo-nos por estar sempre acima. Apesar de haver recomendações, cada franqueado tem alguma liberdade de decisão. Atualmente, estamos com um salário de entrada de 850€.
Como funciona a progressão de carreira?
Quando alguém entra na McDonald’s, tem duas opções: pode querer simplesmente dar entrada no mercado de trabalho, optando por um part-time enquanto segue outro percurso; ou pode construir carreira connosco. Neste caso, o primeiro passo é tornar-se treinador. Nós somos muito focados em formação – eu costumo dizer que somos mais uma empresa de formação do que de hambúrgueres. Depois, há a possibilidade de integrar a “equipa de gestão”, composta por gerente de turno, assistente de gerência, subgerente e gerente.
A McDonald’s tem a Fundação Infantil Ronald McDonald a nível nacional. E a nível local, o que pode ser feito? Há autonomia?
Esta é uma área de que gosto muito. O nosso fundador, Ray Kroc, dizia: “Devolver à comunidade parte do que ela nos dá.” Celebramos o Dia do Fundador, que coincide com o aniversário de Ray Kroc, e é sempre um momento especial em que reunimos com as forças vivas da comunidade. Durante o ano, tentamos contribuir dentro das nossas possibilidades para os pedidos que nos chegam. Por exemplo, durante a fase mais crítica dos incêndios, começámos uma iniciativa – que depois se tornou nacional – oferecendo refeições gratuitas a bombeiros que viessem fardados aos nossos restaurantes. Apoiamos regularmente entidades como a GNR, PSP, AIREV e Cercifel. Digo sempre: nem sempre podemos oferecer dinheiro, mas quem nos procura com um projeto interessante nunca sai de mãos a abanar.
Antes de ser empreendedor, é importante conhecer outras realidades. Trabalhar noutras empresas, como a McDonald’s, e ganhar experiência como trabalhador por conta de outrem é essencial.
Carlos Cunha
Que conselho daria a um jovem empreendedor?
Antes de ser empreendedor, é importante conhecer outras realidades. Trabalhar noutras empresas, como a McDonald’s, e ganhar experiência como trabalhador por conta de outrem é essencial. Depois, se decidirem avançar, o foco, a dedicação e a organização são cruciais. Não acredito em resultados sem muito trabalho. Além disso, é essencial investir nas pessoas.
É difícil ser empresário em Portugal?
Não diria que é difícil, mas é muito exigente. A carga fiscal é elevada e o regime laboral nem sempre é claro. No entanto, somos um país resiliente e acredito que temos um futuro promissor. Apesar dos desafios, gosto de ser empresário em Portugal e penso que, daqui a alguns anos, será ainda melhor.