Em entrevista à APICCAPS, Paula Melo, responsável da empresa Rolando da Cunha e Melo, considera que embora a situação da pandemia “seja menos grave”, e que “o pior já passou”, as dificuldades do setor do calçado “a nível laboral”, “os canais de distribuição de produto”, o “abastecimento de matéria-prima” e “a subida constante dos preços”, colocam a incógnita sobre 2022 como um ano de afirmação do calçado português no exterior, apesar de acreditar que “o mercado seguirá o seu rumo”.
[Pandemia] – “a anulação (ou adiamento) das feiras, impossibilitou-nos de poder apresentar as nossas coleções aos clientes”;
[Soluções encontradas] – “Acabamos por investir em marketing digital e desenvolver catálogos online”;
[Dificuldades do setor] – “Sem dúvida a incerteza, a gestão é afetada diariamente”;
[Expectativas para 2022] – “O mercado seguirá o seu rumo”;
[Sustentabilidade] – “A sustentabilidade veio para ficar. Não é um chavão, mas antes facto”.
Leia a entrevista na integra:
A pandemia trocou literalmente as voltas ao setor do calçado. De que forma se adaptou a sua empresa a este período crítico?
Sim, é verdade, atingiu todos os setores de atividade, muito embora uns mais do que outros. Logo num primeiro momento, a anulação (ou adiamento) das feiras, impossibilitou-nos de poder apresentar as nossas coleções aos clientes. Acabamos por investir em marketing digital e desenvolver catálogos online, de modo a estreitar os elos com os clientes. Neste processo houve redução de encomendas, mas também o aparecimento de novos clientes e mercados. Depois, as limitações nos canais de distribuição, por encerramentos de fronteiras, impediu a distribuição das matérias primas, e o escoamento produtos.
Mas, essas situações, já fazem parte do passado, não?
Essas limitações ainda se mantêm. Ainda que a situação seja menos grave, há um acréscimo muito expressivo das ausências ao trabalho (pessoas infetadas ou isoladas). Chegamos mesmo a estar fechados por breve período devido a um surto de Covid. Atualmente, estamos a funcionar normalmente e com otimismo redobrado no futuro.
Posso concluir que que o pior já passou?
Sim, sem dúvida que o pior já passou. O mundo atualmente tem mais conhecimento sobre a doença do que no passado, logo, estaremos melhor preparados para enfrentar novas variantes que possam surgir. Não acredito em mais confinamentos gerais. Também as empresas criaram mecanismos de adaptação, houve um salto digital, estamos muito mais próximos dos nossos clientes e fornecedores do que alguma vez estivemos.
Será 2022 um ano de afirmação do calçado português no exterior?
Não tenho uma bola de cristal, até porque subsistem muitas incógnitas. Mesmo em anos ditos “normais”, teria algumas reservas numa afirmação dessa natureza. Agora, é ainda mais difícil. Tudo vai depender da propagação da pandemia e qual o seu impacto nas diversas regiões.
Quais são as principais dificuldades que sente nesta altura?
Sem dúvida a incerteza, a gestão é afetada diariamente. A nível laboral, por exemplo, nunca sabemos quem estará disponível (infetado ou em isolamento) no dia seguinte. E isso é terrível para o planeamento de uma linha de produção. Mas acontece igualmente a outros níveis. Os próprios canais de distribuição de produto ou de abastecimento de matéria-prima têm falhas, há uma subida constante dos preços…
Prevê alguma alteração ao nível do perfil do consumo?
Diria que a procissão já passou o adro. O perfil do consumo, a meu ver, não se alterará. Nós somos, por definição, uma sociedade consumista. As pessoas estão ávidas por sair, passear, comprar. É só terem oportunidade e segurança para o fazer. Acredito que o mercado seguirá o seu rumo.
A sustentabilidade veio para ficar ou é, na sua opinião, uma moda passageira?
A sustentabilidade veio para ficar. Não é um chavão, mas antes facto. Agora encaremos o facto como ele é, ou seja, criar e produzir de forma sustentável. Um sapato de alta qualidade será sempre confecionado em pele natural. Agora a pele deverá ser obtida de forma sustentável. Se olharmos para a pele, não como obtida do sacrifício de um animal, mas sim como o aproveitamento de um desperdício de um animal sacrificado para consumo da carne. Isto é sustentável. E como produto cada vez mais raro, devemos valorizar e tratar bem essa matéria-prima, dando-lhe o devido valor. Matérias sintéticas existem e vão cada vez existir mais, mas em produtos de média e baixa gama.
O que tem a indústria portuguesa de calçado para oferecer nos mercados externos?
Qualidade, sempre qualidade e depois a proximidade dos mercados e dos clientes, bem como dos fornecedores.
Fonte: APICCAPS