Em entrevista à APICCAPS, Pedro Saraiva, responsável pelo departamento comercial da Bolflex, afirma que 2020 “foi um ano bom” para a empresa, esperando que 2021 “seja um ano melhor, na expectativa que também a pandemia abrande e nos permita começar a circular livremente”.
Pedro Saraiva considera “fulcrais” algumas das medidas do Governo, como “as linhas de crédito, os apoios e rápida legislação tal como por exemplo o lay-off”, salientando que “a indústria que tanto tem dado ao país não pode ser esquecida e ser relembrada só nas Feiras e em momentos de festa”.
Sobre a indústria portuguesa, Pedro Saraiva afirma que “o calçado Português deu um grande salto evolutivo” e que “Somos percussores da verdadeira revolução verde da Indústria do Calçado”.
Leia a entrevista na integra:
No ano que findou, as empresas foram testadas ao limite. Que soluções encontrou para minimizar os efeitos da pandemia?
Face à magnitude, imprevisibilidade e rapidez desta crise pandémica, o grupo Bolflex tomou algumas medidas. A decisão mais importante foi a de manter-se fiel ao seu rumo, plano e visão.
Continuamos, ao logo de 2020, a investir com a inclusão de mais uma unidade de injecção de EVA B-light na linha de produção Bolflex, mas também aumentando o parque de máquinas da nossa unidade de reciclagem Rubberlink.
Incrementamos ainda a nossa capacidade interna de Armazém para o dobro, incluindo um 2ª piso, que nos permite ter maior quantidade de matéria-prima dentro de portas.
O investimento em 2021 prossegue, com mais maquinaria de Serralharia e Acabamentos que estará para chegar.
Em março de 2020 quando a pandemia apareceu com força, fomos obrigados a uma gestão mais rápida e inteligente das matérias-primas assegurando dentro de portas material necessário e suficiente para podermos trabalhar 4 a 6 meses em contínuo.
A engenharia financeira foi também ajustada à situação. Apostamos também forte em projetos “out of the box”, muito virados para a sustentabilidade e reciclagem. Na calha estão ainda outros desenvolvimentos, direta e indiretamente ligados ao setor do Calçado. Também a nossa marca de malas, Pooch, teve um crescimento considerável com a inclusão de uma equipa de vendas aliada ao reforço do investimento online.
A diversificação do negócio, não descurando o core business, também foi e é uma solução. Quanto ao contacto com os clientes, apesar de continuarmos a ter inúmeras visitas de clientes, de visitar as fábricas Portuguesas e Agentes diariamente, verifica-se que houve a introdução de uma nova variável para a apresentação de projetos e coleções – as ferramentas de reunião virtual.
Obviamente que tal não substitui as visitas presenciais, mas ajuda e aproxima as partes intervenientes.
A gestão passa também por escutar muito os sinais do mercado, ouvir as pessoas, e diariamente fazer um balanço, acreditando que melhores dias virão para o setor.
Que avaliação faz às medidas apresentadas pelo Governo?
O Governo foi apanhado num turbilhão, uma surpresa nefasta, tal como todos nós, e teve que reagir rápido e com os instrumentos que à altura tinha disponível.
As linhas de crédito, os apoios e rápida legislação tal como por exemplo o lay-off foram bem recebidos pelo sector. Diria mesmo fulcrais!
De outra maneira eventualmente teríamos muitos parceiros de negócio em verdadeiros apuros.
Exige-se só que haja um maior acompanhamento da realidade e das grandes dificuldades pelas quais a nossa indústria passa diariamente.
É preciso que o Governo tenha equipas no terreno para registarem e ajudarem a resolver os problemas. A indústria que tanto tem dado ao país não pode ser esquecida e ser relembrada só nas Feiras e em momentos de festa.
Que expectativas tem para o ano de 2021?
2020 foi um ano bom para nós, dado que chegamos a um valor equilibrado de faturação, similar a 2019, conseguimos honrar os nossos compromissos e ainda nos permitiu estabelecer as bases de alguns projetos futuros.
Contamos que 2021 seja um ano melhor, na expectativa que também a pandemia abrande e nos permita começar a circular livremente.
O que tem a indústria portuguesa para oferecer aos seus clientes?
Apesar de não termos uma escola de artes de renome, considerando também que o mercado interno é pequeno e a mentalidade é periférica, o calçado Português deu um grande salto evolutivo, fruto da nossa resiliência, flexibilidade e capacidade de trabalho.
Existe muita inovação, qualidade e vontade de fazer as coisas. Somos percussores da verdadeira revolução verde da Indústria do Calçado.
Ainda nos falta o design, aquele toque, mais associado aos Italianos e Nórdicos, mas estou em crer que com o advento das novas gerações e linguagens tudo se irá ajustar.
Vejo Portugal já como um hub para o desenvolvimento de projetos de grandes marcas, o que sendo bastante positivo, também é por vezes uma bifurcação. Muitos dos projetos são desenvolvidos em Portugal e depois as grandes produções são feitas na Ásia.
De todo o modo, a economia do preço económico e das grandes quantidades terá de desaparecer da Indústria Portuguesa sob pena de sermos autofágicos.
O modelo de futuro terá de se pautar pela qualidade, capacidade de resposta a séries mais pequenas com maior frequência, bem como associarmo-nos uma forte capacidade de desenvolvimento e inovação.
Este ano, o nosso país começa a beneficiar de um pacote extraordinário de medidas de apoio, a famosa «bazuca europeia». Que expectativas tem relativamente a esse pacote de medidas?
Sabemos que não é fácil governar nem liderar. Sabemos que para além da nossa indústria, também outros sectores buscam auxílio. Os apoios chegam à indústria em número escasso para as necessidades e normalmente em forma de créditos. Veremos o que está reservado para o sector do Calçado. Estamos algo apreensivos.
Se do ponto de vista do negócio, o ano de 2020 foi particularmente difícil, o que mudou na sua vida pessoal nestes últimos meses?
A nível pessoal, sendo eu pai de um menor, tive que conciliar horários de trabalho com a vida familiar. Os dias de trabalho passaram a ser mais longos e até mesmo extensíveis ao final de semana. As restrições a nível de horários, escolas fechadas, etc., não facilitam a vida de quem tem de trabalhar e manter as empresas abertas.
Obviamente que o convívio, reuniões familiares, reuniões com amigos, festas, as viagens, passeios e vida ao ar-livre são um complemento necessário para que a mente esteja sã e em forma, de modo a executarmos um trabalho com a performance desejada.
Esperemos que estas restrições às liberdades e atividades sejam temporárias e rapidamente ultrapassáveis.
Saudade foi a palavra eleita pelos portugueses para resumir o ano der 2020. De que sente mais saudades?
Não querendo fazer clichés, saudades tenho apenas do futuro. A história/passado é uma parte importante das nossas vidas. Serve para nos situarmos, orientar e podermos definir um rumo.
A história/passado dá-nos lições que podemos ou não aproveitar para o futuro. É importante não esquecer quem somos, de onde viemos e o caminho que trilhamos até aqui.
Estou seguro de que o rumo traçado pela Bolflex, aliado aos projetos em marcha trarão muitas e boas alegrias, e como tal não me vejo ainda a contemplar um passado com um travo nostálgico.
Quanto à pandemia tudo acaba por eventualmente passar e a vida retomará o seu curso mais ou menos normal. O ser humano tem tendência a valorizar apenas as coisas quando as deixa de ter, em detrimento de aproveitar o melhor de cada dia.
Fonte: APICCAPS