Criada em 18 de dezembro 1991, a Bolflex assume-se como umas das principais especialistas em componentes de calçado para a indústria europeia deste setor. Em Portugal, a Bolflex é a empresa com maior capacidade de aplicação de borracha por injeção, conseguindo fabricar cerca de 20.000 pares por dia, graças aos seus 172 colaboradores.
No dia em que comemora o seu 30º aniversário, o Felgueiras Magazine esteve à conversa com António Ferreira, fundador da empresa, para fazer o balanço desta longa história e perspetivar o futuro da empresa.
Felgueiras Magazine – Como é que nasceu a Bolflex?
António Ferreira – A Bolflex começou num “barraco” que era dedicado às faias agrícolas, em Posmil, com apenas 6 trabalhadores, sem luz nem licenciamento. Na minha loucura dos 27 anos, já tinha montado dois estabelecimentos: a Teco e a Intersola. Nunca tive problemas nenhuns em trabalhar, e fiz o projeto da minha vida, mas ele rapidamente desabou.
Comprei um pavilhão em Posmil, que cresceu muito rápido, e 3 anos depois já tinha 30 trabalhadores. Em 1995 mudei para Caramos já com 45 trabalhadores, e foi sempre a crescer. Em 2012 surgiu a oportunidade de ter o pavilhão dos meus sonhos, e apesar das dificuldades, consegui comprá-lo. Os primeiros anos de vida da Bolflex foram “de morte”. Não sei como aguentei tanto.
Felgueiras Magazine – O que tem contribuído para todo o sucesso da Bolflex ao longo destes 30 anos? Qual a chave do sucesso?
António Ferreira – São várias as chaves do sucesso. O grande segredo das empresas, e dou-lhe um exemplo, é que um bom treinador já foi um bom jogador. No início da Bolflex, eu fazia tudo. Tratava das borrachas, ia aos serralheiros, fazia as solas, falava com os clientes, ganhei muita confiança.
Procurei sempre ter uma equipa muito unida, porque só assim se faz uma grande empresa. Com muita seriedade, honestidade, transparência, e muito jogo de cintura. Engoli muitos sapos vivos. Fui a muitas feiras, e viajei pelo mundo com a 4ª classe. E assim chegámos até aqui.
Felgueiras Magazine – Qual foi o momento mais difícil e também o mais gratificante dos últimos 30 anos?
António Ferreira – O mais difícil e mais grave, foi em 1995. Comprei um pavilhão por 70 mil contos, e não tinha mil contos, e já vinha com dívidas. Na altura estava muito dependente de 3 clientes, e um deles, que levava 80% da minha produção, fechou. Foi muito triste, muito duro. Não desejo a ninguém aquilo que eu passei. Chorar, nunca chorei, mas passei um mau bocado.
Naquele tempo os cheques passados davam cadeia. Mas com um pouco de sorte, agilidade, muita dedicação, as pessoas conheciam-me. Fui muito sério, muito honesto, muito transparente. Se dizia que era no dia 10, era no dia 10. Se era ao dia 15, ao dia 15 estava pronto! Tive sempre muita gente que me emprestou dinheiro. Nas foi muito complicado. Tinha filhos pequeninos, a mulher desempregada, funcionários a cargo, pagar luz, pagar a fornecedores. Cheguei ao ponto de suar sem ter calor! Mas eu nunca falhei com as pessoas.
O mais gratificante foi mesmo o ano de 2021. Em março de 2020, quando começou a pandemia, escrevi numa folha aquilo que se ia passar: vai-nos acontecer isto, isto e isto. Toda a gente me chamou louco. No entanto, só falhei por 50 mil euros, com uma faturação de mais de 9 milhões. Quando surgiu o vírus, eu disse aos mus colaboradores: vem aí uma altura boa para nós. Em 2020 investimos 1 milhão e 200 mil euros.
Este ano vamos chegar aos 12 milhões em faturação. Estamos com um crescimento de quase 20% da faturação.
Felgueiras Magazine – A Bolflex está pronta para os desafios dos próximos 30 anos?
António Ferreira – Eu acho que a Bolflex só vai parar ou abrandar, se o mercado sofrer uma grande turbulência. Enquanto eu estiver lúcido, a Bolflex há de continuar a ser uma empresa de sucesso. Prevejo que 2022 vai ser um ano ainda melhor.
Felgueiras Magazine – É difícil ser empresário?
António Ferreira – Uma empresa é um pesadelo, especial quando se está a investir ou quando os mercados mudam. Acho que para se ser empresário neste país, tem que se ser um louco ou um ignorante. Quem investe numa unidade fabril e investe forte, como foi o meu caso, tem que “atirar-se para o rio”, sem saber a profundidade ou se há redemoinhos. Tem é que saber nadar. É muito duro.
Felgueiras Magazine – Os clientes estão dispostos a pagar mais pelas solas recicladas e amigas do ambiente?
António Ferreira – Pagam sim. Os nossos desperdícios, cerca de 200 toneladas, serviam para enterrar, e pagávamos uma taxa. Hoje estamos a incorporá-los nos nossos produtos. Já nem faço a reciclagem pelo dinheiro, mas pelo respeito ao planeta. Há muitos anos atrás, tinha mesmo de ser enterrado, mas agora há solução. Conseguimos reverter o processo da borracha, que é uma matéria prima muito resistente, tratando e voltando a colocar no circuito. É realmente uma economia brutal, só tenho pena que o mercado todo não faça aquilo que eu faço.
No caso da minha concorrência, o desperdício que eles enterram ficava-lhes a metade do preço do que a matéria virgem, se me dessem os desperdícios para eu tratar para eles voltarem a incorporar. Mas eles não o fazem. Aqui há uns anos, os desperdícios tinham que se enterrar. Mas agora há uma solução. Conseguimos reverter e reciclar a borracha, uma matéria prima muito resistente.
Felgueiras Magazine – A Bolflex foi uma das empresas do setor do calçado pioneiras na sustentabilidade?
António Ferreira – Quando em 2012 mudámos para Caramos, já havia negociações com a reciclagem. Comprei equipamentos extremamente caros na ordem dos 2 milhões de euros. Montámos todo o sistema, e começámos a produzir. Eu nem queria acreditar na beleza que aquilo era. Andámos cerca de 8 meses a patinar, mas em 2014 começou a produção em série.